Paul das Caniceiras – O paraíso esquecido de Loures

Ibis pretas

As zonas húmidas desempenham um papel ecológico fundamental e apresentam uma considerável diversidade, podendo incluir uma grande variedade de ecossistemas como pântanos, charcos, rios, lagos ou pauis. Devido à sua importância ecológica, estão frequentemente protegidas por leis e tratados internacionais, como a Convenção de Ramsar, que promove a conservação e o uso sustentável desses ecossistemas cruciais para a biodiversidade e o bem-estar humano.

São ecossistemas que abrigam uma diversidade impressionante de espécies de plantas, animais e microrganismos e atuam como habitats para muitas espécies ameaçadas, tanto endémicas como migratórias, tornando-se locais vitais para a reprodução, alimentação e abrigo de uma grande variedade de vida selvagem. Em particular, muitas espécies de aves dependem das áreas húmidas para se reproduzirem e se abastecerem durante as suas migrações. Esses locais servem como “estações de serviço” essenciais para estes animais em movimento, que frequentemente percorrem distâncias inacreditáveis e necessitam absolutamente destes locais para sobreviver aos desafios das suas viagens inauditas.

Os pauis, também conhecidos como pântanos ou áreas pantanosas, são tipos específicos de zonas húmidas que têm uma importância ecológica significativa. Caraterizam-se por solos saturados ou encharcados, geralmente cobertos de vegetação aquática, como juncos, gramíneas e outras plantas adaptadas a ambientes húmidos. São compostos por diferentes micro-hábitats, como áreas abertas de água, zonas de vegetação densa e margens lamacentas, e essa diversidade oferece nichos para uma variedade de espécies, aumentando a biodiversidade geral da área em que se inserem.

O portal «Aves de Portugal» faz referência à Várzea de Loures como um local privilegiado para a observação de aves na área de Lisboa e Vale do Tejo. O portal indica a existência neste local de três pequenos pauis que “apesar do seu estado de degradação (presença de lixo e entulho, envolvimento por construções que ameaçam a sua subsistência), ainda servem de refúgio a diversas aves aquáticas, permitindo observar diversas espécies que geralmente não ocorrem a tão pequena distância da capital”.

Infelizmente, dois destes pauis, o Paul do Tojal e o Paul da Granja, acabaram entretanto por sucumbir à pressão humana, pelo que apenas subsiste teimosamente o Paul das Caniceiras, com cerca de 14 hectares, situado cerca de 2 km a leste da Urbanização do Infantado, junto à EN 115. Apesar de oferecer abrigo a uma das raras populações da «boga de boca arqueada de Lisboa», uma espécie de peixe de água doce que se encontra em risco, e de abrigar inúmeras espécies de aves, é um local pouco valorizado e desprotegido.

O paul encontra-se desafortunadamente entalado entre pequenos campos agrícolas e armazéns, serve de local de despejo para todo o tipo de lixo e é frequentado por matilhas de cães de caça em semi-liberdade que o atravessam alegremente a nado, certamente em busca de ninhos e jovens aves, presas fáceis e apetecíveis. O seu abandono e a negligência a que está votado contrastam fortemente com a vitalidade e valorização de outras zonas similares, como a Lagoa Pequena, em Setúbal, ou o Paul de Manique do Intendente, na Azambuja.

No website do Município da Azambuja é possível ler a propósito do denominado «Paul Natura» que autarquia tem vindo a apostar na promoção do espaço, o que envolveu, nomeadamente, a colocação de uma infraestrutura de observação que tem como objetivo “promover o conhecimento, a proteção e a preservação daquele ecossistema único e tão rico para o Concelho e para toda a região”.

Resta-nos esperar (e lutar para) que a crescente consciência ambiental que se tem vindo a verificar em algumas autarquias no nosso país acabe por se estender ao nosso concelho e que esta consciência, e a ação que a deve materializar, se efetive a tempo de salvar este pequeno paraíso às nossas portas, tão rico mas tão frágil. Cuidar da natureza é cuidar de nós próprios, das gerações futuras e de todas as formas de vida que partilham connosco o nosso concelho, que tanto potencial tem para se assumir como uma área de grande valor ambiental.

Algumas espécies de aves que é possível observar no local: íbis preta; garça real; garça branca pequena, garça boieira; garça vermelha; garça branca grande; garça noturna; garçote; pernilongo; pato real; colhereiro; galeirão; mergulhão pequeno; guarda rios; rouxinol dos caniços; águia de asa redonda; águia sapeira; peneireiro; guincho; corvo marinho; cegonha

Referências:

https://www.cm-azambuja.pt/informacoes/noticias/item/4134-paul-natura-um-local-a-conhecer

Camila Rodrigues, CEO & Founder Mulheres à Obra

(Os artigos de Opinião aqui publicados  são da responsabilidade dos seus autores e podem não reflectir as posições da ADAL).

LEI PRO SOLOS: SERÁ DESTA? por Cláudia Madeira

Portugal é um dos poucos países da União Europeia ainda sem legislação específica sobre solos contaminados e que não dispõe de qualquer mapeamento de áreas contaminadas. A lei para a Prevenção da Contaminação e Remediação dos Solos – ProSolos esteve em consulta pública em 2015 e, desde essa altura, foi metida na gaveta, tendo ido várias vezes a Conselho de Ministros sem sucesso. Pelo meio, o Governo dizia sempre estar a trabalhar no diploma, que ainda não viu a luz do dia. 

Ao longo dos últimos anos, o Partido Ecologista Os Verdes tem alertado para a urgência da publicação desta lei, que permitiria preencher uma lacuna no quadro legislativo nacional. A versão que foi submetida a consulta pública prevê a emissão de um certificado de qualidade do solo por parte da entidade que vende o terreno, quando se trate de locais onde tenham funcionado atividades poluentes. Atualmente, nada obriga a entidade que vende um terreno a comprovar que este está descontaminado.

Os solos, apesar de serem um ecossistema muitas vezes esquecido e desvalorizado, são um pilar fundamental para o desenvolvimento da vida no Planeta devido às importantes funções que desempenham a nível ambiental, social e económico. São um recurso não renovável à escala humana, sujeito a crescentes pressões e à sobre-exploração, com a sua consequente degradação, nomeadamente por via da contaminação, que representa um perigo para a saúde pública e o ambiente.

Estima-se que existam cerca de dois mil sítios contaminados em Portugal e Lisboa não é exceção. Nos últimos anos têm sido descobertos vários casos de terrenos contaminados, como no Parque das Nações, em Braço de Prata, no Campo das Cebolas e no aterro da Boavista. Os casos vão-se revelando, por norma no seguimento de obras que envolvem a remoção de solos, cujo destino é muitas vezes incerto.

O PEV tem trabalhado insistentemente sobre este assunto, tendo proposto uma audição pública na Assembleia Municipal de Lisboa, e apresentado várias recomendações e moções. Na Assembleia da República apresentou uma proposta que deu origem a uma Resolução que recomenda ao Governo que estabeleça um regime jurídico relativo à prevenção da contaminação e remediação dos solos, salvaguardando o ambiente e a saúde pública.

Face a este atraso de oito anos, o Secretário de Estado do Ambiente afirmou que a lei seria publicada durante o primeiro semestre deste ano, prazo que está agora a terminar. Ou seja, até hoje, o diploma continua congelado. Entretanto, enfrentamos casos graves de contaminação de solos, enquanto o país continua desprotegido e incapaz de prevenir e antecipar situações.

Existe, inclusive, a possibilidade de, com este atraso, a legislação só surgir com pressão externa da União Europeia, o que ainda pode demorar, e demonstra uma total desvalorização da proposta, cujo processo de consulta pública foi positivo e teve o apoio generalizado da Assembleia da República.

Portugal precisa desta lei e do mapeamento das áreas contaminadas. As populações precisam de ter a certeza que o princípio da precaução é levado a sério e o Governo deve definitivamente mostrar de que lado está.

A contaminação de solos é um perigo silencioso debaixo dos nossos pés e, após todos estes anos de inação, Os Verdes reforçam que é tempo de o Governo tirar a lei da gaveta, deixar de estar preso aos interesses económicos e deixar de secundarizar a importância do ambiente e da saúde pública.

14 de junho 2023

Cláudia Madeira, eleita do PEV na Assembleia Municipal de Lisboa

(Os artigos de Opinião aqui publicados  são da responsabilidade dos seus autores e podem não reflectir as posições da ADAL).

SIMPLEX AMBIENTAL = FRAGILEX AMBIENTAL por Heloísa Apolónia

O simplex ambiental, como foi designado o Decreto-Lei nº 11/2023, de 10 de fevereiro, não é mais do que a fragilização de regras ambientais para que os operadores económicos vejam os seus projetos avançar mais fácil e rapidamente.

Ora, este é objetivamente o primeiro erro em que assenta o referido diploma legal: parte da premissa de que as regras ambientais e as exigências de avaliação dos impactes ambientais de um determinado projeto são um real obstáculo à dinâmica económica e que se incluem num rol de burocracias administrativas.

Esta é uma lógica que já a Conferência do Rio, em 1992, procurou combater, com a ideia de
que não há desenvolvimento nem progresso, se o ambiente não for cuidado, desde logo porque ele é uma das bases indispensáveis para a promoção da qualidade de vida.

Contudo, aqueles que dão alma e corpo a este sistema capitalista, não conseguem entrar nessa engrenagem, a não ser nos discursos palacianos que floreiam hipocritamente com as cores da Natureza. Quando toca, no entanto, a tomar decisões, a sua essência desmascara-se e ajustam as regras ambientais para que sirvam melhor o lucro económico.
E a hipocrisia é tanta que ainda sugerem que é também em nome de causas ambientais que destroem as exigências ambientais! Usam, então, termos apelativos, tais como «transição energética», «economia circular» ou «descarbonização da economia», onde cabem novas oportunidades de negócio para vários grupos económicos, para procurar convencer que, em nome do seu objetivo, é justo que estejam dispensados de várias exigências e regras de proteção ambiental.

Por tudo isto, o dito simplex ambiental dispensa um conjunto de projetos do procedimento de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA).

Por exemplo, novos projetos de indústria alimentar, têxtil, de curtumes, madeira, papel ou
borracha, se localizados em parques ou polos industriais situados fora de áreas sensíveis, que distem em mais de meio quilómetro de zonas residenciais e que ocupem área inferior a 1 ha (ou seja, 10 mil m 2 ), não serão, de todo, sujeitos a AIA. Projetos de alteração e ampliação de produção e transformação de metais, de indústria mineral, química, alimentar, têxtil, de curtumes, madeira, papel ou borracha serão totalmente dispensados de AIA, mesmo se se localizarem fora de parques ou polos industriais, se não estiverem em áreas sensíveis, não ocuparem novas áreas, não estiver em causa alteração de atividade ou de substâncias utilizadas e não integrarem componente que corresponda por si a outra tipologia distinta do projeto inicial.

Reduz-se também o conjunto de situações em que é obrigatória a AIA, mantendo-se apenas a possibilidade de análise caso a caso, o que na larga maioria das vezes corresponde a dispensa de AIA. A título de exemplo, encontram-se neste caso vários projetos de piscicultura e também projetos de centros electroprodutores de energia solar, se a área ocupada por painéis solares e inversores for igual ou inferior a 100 ha (ou seja, 1 milhão de m 2 ).

Estas opções deixam muitos projetos, com impacto no ambiente, livres de uma avaliação
ambiental, da aferição de medidas minimizadoras e de um processo de participação dos cidadãos.

É aqui importante referir que o envolvimento dos cidadãos nas matérias ambientais é crucial e expressamente incentivado por vários acordos internacionais. Não é, assim, compreensível que o Governo, através da eliminação da obrigatoriedade de sujeição de variadíssimos projetos a procedimento de AIA, venha agora impedir os cidadãos de participar nos processos de consulta pública, a partir dos quais podem obter informação detalhada sobre os projetos e emitir a sua opinião, as suas preocupações e as suas sugestões sobre a implementação e execução desses mesmos projetos. O Governo, a pretexto de gerar maior celeridade nos processos, fragiliza inaceitavelmente o direito fundamental dos cidadãos à participação ambiental, indo, inclusivamente, contra o que está inscrito na Constituição da República Portuguesa, que no seu artigo 66º determina que «para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos» realizar e promover um conjunto de medidas aí explicitadas. É esse envolvimento e essa participação dos cidadãos que o Governo está, também, a fragilizar significativamente.

O designado simplex ambiental facilita, ainda, a obtenção do benefício do deferimento tácito, quer nos casos de AIA, quer nos licenciamentos ambientais previstos no regime de prevenção e controlo integrado da poluição, quer no regime de utilização dos recursos hídricos. Isto significa, grosso modo, que, se a entidade administrativa não responder dentro do prazo estipulado, a decisão é favorável à pretensão do proponente ou promotor. Veja-se, portanto, que, ao invés de o Governo optar por dotar a Administração Pública de meios humanos e técnicos que permitam analisar os processos com celeridade e com o rigor necessário, o que faz é encurtar prazos e permitir um regime de aprovação que, com os parcos meios que a Administração Pública detém, geram sérias ameaças à viabilização de projetos que impactam seriamente no ambiente sem a avaliação rigorosa devida. A acrescentar a este facto, o diploma que o Governo PS aprovou e fez publicar determina que a regra do deferimento tácito é aplicável aos procedimentos de AIA já em curso, o que implica, para além de tudo o mais, uma enorme pressão imediata sobre os serviços técnicos e administrativos.

O Governo, através do simplex ambiental, dá, ainda, outros vários passos atrás em matéria de proteção ambiental. Tomemos a título de exemplo, algumas disposições relativas à área dos resíduos, tais como a diminuição significativa do número de produtores de resíduos perigosos obrigados a apresentar um plano de minimização de produção de resíduos; a permissão de alteração de alguns valores limite para determinadas tipologias de resíduos, permitindo assim a deposição de mais resíduos com características de perigosidade em aterros de resíduos não perigosos; ou a possibilidade de emissão de uma licença ambiental para uma pecuária, sem a obrigatoriedade de aprovação prévia de um plano de gestão dos seus efluentes, podendo este ser aprovado posteriormente.

Muitos outros exemplos poderiam ser dados, de forma a comprovar que o simplex ambiental, que o Governo defende com afinco constitui, efetivamente, um retrocesso na proteção ambiental. E a verdade é que a urgência de darmos passos para gerar mais qualidade ambiental e parâmetros ambientais menos agressivos não se compagina com esta visão retrógrada de um Governo que considera que as garantias ambientais são inimigas da economia e com a visão obsessiva de um Governo pelo défice, impedindo a contratação de recursos humanos que possam avaliar os projetos com o rigor e a qualidade exigida para um desenvolvimento que se quer, de facto, sustentável.

O país precisa de vozes de denúncia que ponham a nu estas manigâncias e, por isso, o Partido Ecologista os Verdes é absolutamente indispensável.

Heloísa Apolónia
Membro da Comissão Executiva do PEV

in “Folha Verde Digital” de março de 2023

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